segunda-feira, 23 de abril de 2012

A casa da Dona Rotina

A casa da Dona Rotina Na esquina entre as ruas do Sempre e a do Cotidiano, moram quatro raparigas. Constância, a mais velha, Prudência e Paciência. Ambas são filhas da Dona Rotina, que enviuvou-se quando ainda era nova, logo depois que nasceu a Paciência. A rua do Sempre é a mais velha da cidade de Ladainha do Tempo – existe desde a sua fundação. Ruazinha estreita, muito sem graça, quase nada acontece por ali, além dos habituais passeios dos moradores para irem até à igreja nos dias de domingo. A rua do cotidiano é agitada e de mão dupla. É ali onde se instalaram as melhores padarias da cidade de Ladainha. Todos os dias os moradores saem e passam por ela para comprar o leite e o pão, ou para fazerem o desjejum! É também o caminho para a maioria das empresas que se instalaram pela cidade. As pessoas trabalham passam habitualmente por ali no início da manhã e à noitinha. A casa da Dona Rotina não é muito grande. É charmosa e bem cuidada – muito bem cuidada – parece uma casinha de bonecas! Logo na entrada, voltado para a rua do Sempre, tem um grande portão de ferro fundido, muito bem conservado. Lá dentro tudo está no lugar certo e as meninas, cada uma tem sua tarefa: A Constância na cozinha, Prudência cuida da roupa e Paciência limpa a casa junto com sua mãe. Dona Rotina é uma dona de casa exemplar, de extremo zelo por tudo. Gosta de ver brilho por onde passa: no chão, nos vidros, nos azulejos da cozinha e dos banheiros. Tem horror às novidades, embora conviva com elas, quando inevitáveis: é uma torneira que gasta e precisa trocar a bucha, uma plantinha que aparece no jardim sem ter sido plantada... são coisas triviais para nós, mas para ela, já representam um grande desafio. Quando o vizinho lhe veio com a ideia de separar o lixo e colocar uma lixeira nova na rua do Sempre, ela até estremeceu nas bases: – O quê? Mais uma lixeira? E justo na frente da minha casa? Mas por quê? O lixeiro vai misturar tudo lá naqueles caminhões fedorentos... de lixo eu quero é distância – se tirarem ele da minha porta e levarem para bem longe já me dou por satisfeita, pois sempre foi assim e até hoje tem dado certo... - Mas não é mais assim, Dona Rotina, a gente precisa reciclar os materiais, o planeta não consegue conviver com tamanho desperdício e a vida útil do vidro, do plástico e dos metais é muito longa para serem utilizados apenas uma vez. Eles são de duração muito maior do que a dos produtos que embalam, gerando uma enorme quantidade de resíduos que vão se acumulando por todos os lados. Mas os argumentos do Justino não funcionavam para ela, até que a Paciência resolveu dizer: - Pode deixar mamãe que eu cuido disso. Lá na Escola me ensinaram direitinho a reduzir, reutilizar e reciclar: os três verbos iniciados com a letra “erre”! Gostei dessa idéia. Depois, quando a gente se acostumar, a senhora vai ver que fica tudo muito mais fácil... O planeta ainda nos agradecerá! - Que história é essa de planeta agradecer, minha filha? Quem não vai gostar nada disso são os lixeiros. Agora vão ter que recolher separadamente o lixo, enquanto antes era tudo de uma vez só! - Ai mãe, parece que a senhora não entende: O lixo não é lixo! As embalagens podem retornar com outros formatos... - Como assim? Eu não vou querer reutilizar aquela latinha que joguei fora! Quero mais é que a levem para bem longe daqui. Dessa vez foi o vizinho quem falou: - Dona Rotina, para fazer uma embalagem gasta muita água, energia elétrica, transporte, armazenamento... tudo isso é consumo, antes mesmo da embalagem ser utilizada para proteger os produtos. Nesse caso da latinha de alumínio especialmente, gasta-se uma energia fabulosa para fundir o alumínio diretamente da bauxita. Enquanto que ao utilizarmos as latas usadas como matéria prima, o consumo de energia é bem menor. Isso evita a extração de novos minérios da natureza – preservamos assim o meio ambiente e o alumínio volta limpinho em uma outra latinha... - Ah! Seu Justino! Agora eu compreendi. Mas dá pra instalar as novas lixeiras no passeio da sua casa? - Bem, se o caminhão virar para a rua do Cotidiano ao invés de seguir na rua do Sempre, dá sim, dona Rotina! - Então vamos separar o lixo, não é mesmo, Paciência? E aproveita e pega aquele copo quebrado que está lá no lixo misturado com as cascas de batata e embrulha ele bem direitinho pra não cortar a mão do lixeiro, tá? Rosa Alves Pereira (Fevereiro de 2011).   Férias de verão O mundo muda devagarinho, mas muda! Ele segue o seu curso em uma velocidade inferior àquela que a nossa ansiedade gostaria que fosse, quando jovens, e numa velocidade muito superior da que gostaríamos de ver, quando já somos mais crescidos. Até em cidades pequenas há de se incomodar. E a correria – a nossa e a do relógio é tanta que chega numa determinada altura em que quase gritamos: Quero férias! Depois que Dona Rotina se aposentou nem parece ser mais a mesma pessoa. Não que ela tenha feito muitas coisas fora do trivial, mas ela tem pensado diferente. É como se descobrisse, de repente, que está viva, que tem saúde e que pode desfrutar de tudo ao redor. Foi ela mesma quem disse: “Quero ver o mundo!” E, ainda completou: “Minhas filhas cresceram e não dependem mais de mim – agora chegou a hora de cuidar do meu próprio nariz!” - E o que a senhora pretende fazer agora? - Eu? Tomar sol! - Mas a senhora não toma sol todos os dias em que cuida do jardim? - Não é desse tipo de sol que estou falando, seu Justino – eu quero é ir à praia e conhecer o mar, entendeu? A gente passa a vida toda assumindo responsabilidades profissionais e tudo o mais e nem acha tempo para usufruir o que a vida tem a nos oferecer... sei que o mundo é muito maior que essa Ladainha! - O quê? Nunca viu o mar? - Sim, já vi, pela TV, mas não assim pessoalmente, sentir a areia, a brisa, as ondas... isso não, nunca. Mas imagino que seja uma maravilha sem fim. Sonho com uma viagem à praia, ver gente bonita, bronzeada, caminhar na areia de um lado ao outro da praia... tomar sol! - Sabe de uma coisa, Dona Rotina, eu também adoraria ir à praia nesse verão. A gente poderia alugar uma van e irmos todos: Você, suas filhas, eu e a Paz. - Boa idéia! Chame lá a Paz mesmo, vai ser ótimo se vocês forem conosco! Imagine só, todos nós na estrada... Vamos a La playa! Hohohohoho! - Mãe! Tá calor, né? Disse a Prudência, carregando um copo d’água. - Está mesmo, minha filha! E eu não estou mais aguentando isso – será que já estou entrando na menopausa? - Ah, mãe! Deixa eu te mostrar meu biquíni novo que eu comprei lá na loja da Maria do Céu... Não é lindo? Olha essa estampa – está na última moda e estão liquidando em pleno verão. A semana dos preparativos passou rápida, mas não se esqueceram do filtro solar, das roupas de banho, da máquina fotográfica – indispensável para registrar os bons momentos da vida! No sábado, os nossos amigos ganharam a estrada! Desde o início, foi só alegria, uma euforia que só vendo, havia muita água gelada, bolachas, sanduiches – um bando de farofeiros!!! Dona Diligência conduzia a van em uma velocidade quase constante, só reduzida quando havia trechos esburacados e nas curvas. No caminho haviam paisagens incríveis e quando chegaram em Pedra Azul, a Paciência pediu pra parar. Achou o lugar tão bonito que queria fotografar de todo jeito. O sol castigava e o filtro solar ficou na mala. Ninguém se lembra de usá-lo como protetor enquanto não chega na praia ou no clube... é como se o sol só queimasse nesses locais... e o câncer de pele tivesse endereço fixo. E as pessoas que não se protegem com o filtro solar – é melhor que fiquem na sombra! As fotos foram tiradas, um descanso para as pernas, pausa para o almoço e picolé na praça! Era o último município de Minas antes de chegar à Bahia... Seguiram viagem. Próxima parada: Praia! Qualquer um pode encarar uma batalha com o seu passado, mas o que a Dona Rotina tem travado é uma verdadeira guerra. Ela não gosta do próprio nome. E vencer a rotina exige um esforço enorme – maior do que vencer a inércia, pois os hábitos nos viciam e mudá-los requer uma nova visão sobre a vida – e nos manter mais atentos ao que antes sequer dávamos valor. Então teve uma idéia: - Me chamem de Tina, de hoje em diante, está bem? Acho que agora, já que estou aposentada, vou poder curtir a vida e se vocês continuarem a me chamar de Rotina ficará mais difícil mudar... por favor, me chamem de Tina! Então Dona Tina, no quê está pensando? - Na água! E de como a vida e a água se parecem e dependem uma da outra. No século passado foi o petróleo que despertava a cobiça dos países – parece que agora chegou a vez da água! Acho que você tem razão Tina, diz a Paz. Mas como ela tem sido maltratada... cada rio poluído que atravessamos nessa estrada me dá uma sensação de que as pessoas se esqueceram que as águas vem dos rios. Parece que desligaram-se do meio ambiente. De onde vem a água? Da torneira, respondem. E as frutas? Do sacolão. E o peixe? Da Peixaria, ora. Essas crianças precisam passear mais no campo e na praia. Chegaram. Era um fim de tarde e a praia estava deserta. Estenderam as toalhas, se lambuzaram de filtro solar, deitaram-se, se entregaram ao sol, que se encarregou de aquecer-lhes todo o corpo. Tina correu até à água. Era salgada mesmo, disse ela! As ondas e as aves dançavam um balé, que era admirado em silêncio pelos ocupantes da van da Sra. Diligência. Lancharam e recolheram todas as migalhas que caíram na areia. Afinal, melhor do que limpá-la é manter a praia sempre limpa. Nossas pegadas são de alegria! Ao anoitecer, Justino sugeriu: Vamos para o Hotel? Rosa Alves Pereira (fevereiro 2011). Mudanças radicais Quem te viu, quem te vê. Um simples nome não pode determinar o destino de uma pessoa. Olhem a Dona Rotina. Ela se aposentou e resolveu viver a vida! A Paciência perdeu a paciência e percebeu que já esperou demais e resolveu enfim tomar iniciativas. A Constância interrompeu o que fazia antes e decidiu mudar. A Prudência adquiriu coragem para assumir os riscos diante das circunstâncias. Aquela viagem à praia e as conversas que tiveram com a Dona Paz e Seu Justino ampliaram muito a percepção das ”filhas da Rotina”, já adultas hoje, e as incentivaram na tomada de decisões importantes em suas vidas. Depois de tudo o que viram na estrada, a poluição por todos os lados, as três irmãs fizeram um pacto: primeiro mudar de emprego, por um de meio expediente, depois montar uma ONG com finalidade ecológica. - Acho que podemos fazer algo para melhorar essas coisas. Não dá pra ver isso e fazer de conta que não vimos, nem sequer fingir que esquecemos... dizia Prudência, naquela viagem. Passaram-se alguns meses e conseguiram fundar a ONG “Verde e azul”. O objetivo principal da ONG é a revitalização dos rios e das margens das estradas. É ambicioso demais o projeto, mas encanta de imediato. - Isso mesmo! Podem contar comigo, disse a Paz! Ela também sugeriu: - Podemos fazer contato com as Escolas, as Associações de moradores, as Prefeituras municipais e os vereadores, todos podem ajudar um pouco, cada um em seu próprio lugar. Ladainha do Tempo continua sendo uma cidade pequena com seus encantos: Nascentes de rios, Cachoeiras, lugares bons para nadar. E recebe, aos finais de semana, um tanto de gente da região e até de cidades mais distantes. O tempo parece que corre diferente em alguns lugares. As pessoas também, umas bem depressa, outras andam devagar, mas há momentos em que todas se encontram e cada uma trás em si a sua cultura. É como se umas carregassem a cultura do consumismo e outras a da preservação, mas estimular o diálogo é fundamental para conseguirmos produzir preservando. - Uma ONG que trata do meio ambiente não pode ser dissociada de seu entorno, declarou Constância na Escola. - Ela deve começar sua leitura e análise a partir do bairro em que moramos... depois da cidade, do município, da região, do Estado. Mas se essa ONG que criamos pretende cuidar de rios e estradas, devemos então começar por suas nascentes e seguir o curso, até chegar ao destino – nas estradas também: seguir o caminho de ponta a ponta, mas os problemas a enfrentar são bem distintos. Paciência comentou: - Nascemos para sermos felizes! Mas depois que a gente vê um rio agonizando, com peixes contaminados, quando ainda os tem... fica muito difícil dizer que dá pra ser feliz com isso. E nas estradas, o problema se repete: a morte chega de súbito no caminho. Muita imprudência! A começar pelo traçado, a escolha do tipo de estrada... Acabaram-se com as estradas de ferro e hoje os carros de passeio convivem com aquelas carretas enormes... enquanto o transporte de carga deveria estar sendo feito pelos trilhos. - Não é só isso, diz a Paz. A estrada atravessa áreas de preservação ambiental e impede que os animais circulem livremente por ali e se alimentem com o que há do outro lado da estrada... E mais, completa Prudência: - Nas margens das estradas estamos repetindo a mesma coisa que havíamos feito com os rios: é lixo por todos os lados. E capim – muito capim – como se tudo de repente precisasse se transformar em pasto ou plantação – e as matas ciliares, aquelas que acompanham os rios? Como ficarão os rios se não houver preservação das áreas inundáveis e as áreas de preservação permanente? Porquê? - O que você quer saber? Porquê plantam capim por todo lado? Deve ser porque gasta-se dois hectares para engordar um boi...mas beira de estrada não é pasto! E capim atrapalha também ver as placas e sufoca a vegetação nativa. - Não. Eu quero saber porquê estão querendo mudar o código florestal, se as florestas são bens públicos, todos deveriam participar desse debate. - Ah! Vai ver que é porque nem todos tem respeitado as leis ambientais e por isso não estão mais conseguindo os créditos. Ao invés de replantarem as árvores que cortaram na beira dos rios, estão querendo mudar a lei...sem resolver os problemas agrários e diminuir a habitação em áreas de risco. - Tá explicado, reconheceu a Paciência. Essa ONG vai ter mesmo muito trabalho! Vamos poder resolver os dois problemas rural e urbano se houver mais respeito à vida. Mas vemos que há também produtores rurais que protegem a natureza, cuidando das águas, nascentes e as florestas. - Mas muito ainda está por fazer e precisamos também adicionar outras pessoas para recuperar as áreas degradadas e retirar gás carbônico da atmosfera. - Podemos fazer um grande viveiro de mudas! Vamos coletar sementes de plantas nativas, daquelas que deixam cair frutinhos para alimentar os peixes nas margens dos rios e nas encostas para não deixar os terrenos deslizarem. - Vamos procurar as universidades para saber quais são essas plantas e como devemos plantá-las nesses locais. - O momento é agora em que todos se preocupam com as alterações climáticas e valorizam a economia verde e a biodiversidade. - O ser humano não pode estar dissociado do meio ambiente e a segurança alimentar também depende dessa preservação e esse trabalho pode até gerar mais renda em forma de crédito de carbono! - Então, mãos à obra! O futuro começa hoje! Rosa Alves Pereira (fevereiro 2011).